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O Futuro é Ancestral é um projeto dedicado a amplificar as vozes dos povos indígenas para o mundo.

As Músicas e Os Grupos Indígenas

*Os royalties deste álbum são revertidos aos músicos indígenas.

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Sina
Vaishu

Yawanawa Saiti Kaya e Alok

Em O FUTURO É ANCESTRAL, a conexão com a floresta começa com a música ritual do povo Yawanawa, que tem no canto sua expressão mais profunda.

A primeira experiência transformadora na vida do Alok a partir da conexão com os povos indígenas, aconteceu através da força de cura espiritual e da expressividade musical dos Yawanawa, por isso SINA VAISHU é a música de abertura e inspiração para a realização do álbum. Na união da flauta com as vozes em suas variações acústicas diversas, que se complementam e remetem às rezas de cura, como os cantos shuãnka, a canção conta a saga de um pajé que anuncia suas previsões em peregrinação. Ao mesmo tempo que chama a força da espiritualidade Yawanawa na preparação das suas vozes para a condução das cerimônias, também simboliza a marcação de um território onde estão enraizadas suas histórias, memórias e saberes e são reproduzidos os seus modos de vida.

Sina Vaishu significa a mudança de um pensamento. Existem duas direções: uma boa e uma ruim. De qualquer maneira, a mudança vai acontecer. Tana Vaishu revela que devemos seguir no caminho dos ancestrais. Rae rae rae aneki representa as conquistas que as mudanças provocam nas pessoas quando elas se convencem a seguir por onde a energia está fluindo. Na cosmologia Yawanawa, o encantamento da jiboia está dentro de todas as transições que estão acontecendo.

Por meio do canto tradicional, que reverbera de geração em geração pela oralidade, a cultura originária sobrevive. Ocupando um lugar central de dimensão xamânica nos rituais amazônicos, se antes as canções sagradas Yawanawa eram apenas cantadas, foi com Rasu, jovem liderança e iniciado nos aprendizados xamânicos, que elementos externos (instrumentos como o tambor e o violão e arranjos melódicos) foram introduzidos ao padrão tradicional, reacendendo o envolvimento dos mais novos com a música e a própria língua. Partiu de Rasu o chamado para que Alok colaborasse com a renovação da tradição musical de seu povo.

Pertencente à família linguística Pano (assim como o povo Huni Kuin), os Yawanawa (em que yawa significa “queixada” e nawa é um marcador de alteridade, significando “povo” ou “outro povo”, são assim o “povo da queixada”) habitam as fronteiras entre o Peru, Bolívia e Brasil e, aqui, totalizam cerca de mil pessoas que vivem em aldeias na Terra Indígena Rio Gregório, criada em 1948. Localizada no município de Tarauacá, onde ocupa a cabeceira deste afluente do Rio Juruá, foi a primeira Terra Indígena demarcada no estado do Acre. A viagem da comunidade até Tarauacá dura de três a quatro dias de canoa pelo rio e mais quatro dias de caminhada pela BR-364. Ali, o Instituto Alok tem apoiado a aquisição de equipamentos agrícolas (com outros parceiros), oficinas de arte e cultura para os jovens das aldeias e melhorias de infraestrutura para hospedagem daqueles que participam de jornadas de cura. 

Rasu, outras cantoras e músicos fizeram a travessia da Aldeia Mutum, localizada na Floresta Amazônica brasileira, às montanhas de Minas Gerais, para uma experiência de colaboração musical com novos arranjos e sonoridades em que a especificidade das musicalidades tradicionais Yawanawa não se perde, pelo contrário, em SINA VAISHU cada nota musical tem muito dos ritos e cantos espirituais que foram retomados após tanta repressão e preconceito. 

Agora, SINA VAISHU será apresentada a novos mundos, amplificando as vozes da sabedoria ancestral, que há tempos ecoam sem serem devidamente ouvidas, evidenciando um potente processo criativo de celebração do fortalecimento das festividades e identidades originárias, de valorização das culturas indígenas da floresta em seus significados revitalizados no presente, e em alianças com outros universos e alteridades não-indígenas, nas quais o povo Yawanawa é protagonista.

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Pedju
Kunumigwe

Guarani Nhandewa e Alok

Ñandeva significa “nós”. Os Guarani Nhandewa somam, em território brasileiro, mais de treze mil indígenas que moram em território localizado nos estados do…

Mato Grosso do Sul e Paraná. A canção Pedju Kunumigwe é um chamado às crianças para que escutem o sagrado canto dos pássaros. Junto ao povo Guarani Nhandewa cantamos: Venham, vamos ver juntos! Ele está cantando e no caminho dos pássaros estamos caminhando. Nessa parceria entre Alok e os Guarani Nhandewa, a aproximação sensível entre o som eletrônico e o universo da música originária fortalece as possibilidades do diálogo intercultural a partir de questões tematizadas pelos próprios povos indígenas: a esperança, a liberdade e a unificação das pessoas em celebração de uma nova era que se aproxima. A melodia do violino incorporada pela palavra Guarani de otimismo mobiliza a sociedade e, sobretudo, os mais jovens, para que prestem atenção à voz da natureza. A mensagem é de respeito às existências físicas e espirituais dos povos indígenas, assim como de seus projetos de futuro, em profunda conexão com a terra que habitam.

“Nosso grupo Guarani Nhandewa sempre cantou e sempre praticou a cultura, mas nunca tinha entrado num estúdio do porte do Sonastério, onde o DJ Alok nos reuniu para este seu novo trabalho, então pra nós foi tudo novo. Chegamos pra gravar e ficamos um pouco tímidos no primeiro dia, mas a equipe, juntamente com o Alok, nos deixou à vontade pra gente se sentir em casa e poder cantar. Foram quatro dias de gravação com o nosso povo Guarani! Depois, vendo o resultado da gravação do nosso cântico, que até então não saia da aldeia e da nossa região, foi uma emoção muito grande! A partir daquele momento, ia ser a oportunidade de levar ao mundo os nossos cantos Guarani Nhandewa

O que nos motivou a gravar com o DJ Alok foi saber da história dele, que há dez anos ele já busca a espiritualidade e o entendimento das culturas indígenas, do respeito que esse grande artista tem pela história do nosso povo indígena, da espiritualidade e da paz que ele encontrou. 

Na época, em junho de 2021, a gente estava vivendo várias ameaças como a PL 490 e o Marco Temporal. Então a gente se levantou aqui no Sul entre Guaranis, Kaingangs e Terenas e fomos num grupo de 70 pessoas pra Brasília para brigar contra esses projetos de leis que tramitavam no Congresso Nacional e prejudicavam muito, principalmente, as nossas demarcações de terra, que é o que garante a qualidade de vida para as futuras gerações. Ficamos praticamente trinta dias em Brasília lutando contra esses PLs e de lá um líder nosso, O Kretã Kaingang postou um vídeo na rampa do Congresso que o Alok repercutiu nas redes dele, o que foi muito importante pra gente. Foi então que Kretã fez contato com a equipe do Instituto Alok para agradecer e dizer que gostaríamos muito de também estar no estúdio com ele. A partir daquele momento acho que a espiritualidade se encontrou, tanto a nossa quanto a do DJ Alok, e surgiu essa oportunidade de última hora de gravar e fechar com chave de ouro esse trabalho que ele estava  desenvolvendo com os nossos povos indígenas. O maior sonho desse projeto, realizado em parceria com o DJ Alok, é levar ao maior número de pessoas o conhecimento da nossa luta e da nossa resistência que a gente vem fazendo há 524 anos. Luta por reconhecimento de direitos, demarcações de terra - que é a maior reivindicação nossa hoje em dia. Estamos muito agradecidos ao DJ Alok por abrir as portas para os povos indígenas e ampliar nossas vozes”, Everton Guarani Nhandewa.

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Canto
do Vento

Wyanã Kariri Xocó Cantos Nativos e Alok

A força da pisada do toré dos povos indígenas do Nordeste brasileiro chega ao álbum O Futuro é Ancestral com Wyanã Kariri-Xocó (1970 – 2022)…

liderança indígena que trouxe sua história de luta pela vida com a intensidade do CANTO DO VENTO. Recebida por Wyanã como um sopro enviado pelos seus antepassados, a canção marcou um momento profundamente desafiador de sua jornada. Aos vinte e seis anos de idade, após ter sido baleado em uma invasão ao seu território, e diante da possibilidade de morrer, mas sentindo o chamado da vida, o CANTO DO VENTO lhe deu força para sobreviver e seguir na sua missão pela retomada de suas terras.  

A batida do CANTO DO VENTO guarda o solo sagrado onde está a raiz dos saberes ancestrais e faz a poeira subir na pista. Em roda e ao som do maracá, os Kariri-Xocó dançam e cantam juntos, movimentando o mundo: Ahea heyahôa heya heyahá!

Ser Kariri-Xocó significa ser resistência. Por terem sido expulsos de suas terras, representam a fusão entre os Kariri que viviam no município alagoano Porto Real de Colégio e os Xocó da ilha fluvial sergipana de São Pedro. A Terra Indígena Kariri-Xokó, demarcada apenas em 1991, está localizada no bioma brasileiro da caatinga, na região do baixo São Francisco, no estado de Alagoas, onde vivem cerca de duas mil e quinhentas pessoas. Os filhos da aldeia atualmente se dedicam às atividades rurais e as filhas à cerâmica, além dos fazeres e segredos relacionados ao complexo ritual sagrado do Ouricuri, que envolvem o cotidiano e dão sentido à organização social e cultural da comunidade. 

Enquanto tinham suas aldeias violentamente invadidas durante os séculos de colonização, nos cantos e danças do toré o povo Kariri-Xocó guardava suas tradições e honrava seus antepassados em comunhão e reverência com suas divindades, se fortalecendo coletivamente para a luta pela sobrevivência. No compasso do toré o som é sagrado, cantado com o coração e com os pés fincados na terra. O toré permanece no presente sendo uma expressão central da identidade étnica de muitos dos povos originários do Nordeste. A pisada firme no chão aciona o pertencimento enquanto chama a coragem. O som do maracá pede cura aos espíritos e revela o movimento cíclico da natureza. A entoada transmite a tradição, permite o entendimento da história e preserva a cultura Kariri-Xocó. 

Nesse ritmo, o CANTO DO VENTO se sustenta na dimensão ritualística da resistência que segue se afirmando em sua unidade ancestral. Logo após as gravações de O Futuro é Ancestral, Wyanã se tornou um ancestral Kariri-Xocó que sempre será lembrado como um guerreiro de seu povo. 

“Pra mim, estar na gravação foi muito importante. Foi realizar um sonho do meu pai, o Wyanã, junto com seus filhos, de apresentar os cantos tradicionais do meu povo Kariri-Xocó pro mundo e trazer essa visibilidade e valorização para a cultura indígena, principalmente dos nativos do Nordeste.  Foi uma sensação muito boa estar com essa parceria apresentando os cantos tradicionais Kariri-Xocó e os cantos da criatividade Wyanã. Na comunidade indígena, na época em que os Cantos Nativos foram convidados, estávamos em uma situação difícil, porque foi quando começou a pandemia. Mas também foi quando o Alok abriu essa oportunidade para nós, nativos, apresentarmos nossa cultura, nossos cantos, nossa dança, nossa arte e os cantos do Wyanã. O sonho se tornou uma realização: gravar com seus cinco filhos e sua família! Era isso o que o Wyanã queria. Ele foi um desbravador da comunidade e, tendo orientação dos mais velhos, trouxe o conhecimento do mundo. Através do Alok vai ter mais reconhecimento ainda, porque vai deixar sua história pros seus filhos darem continuidade. O sonho realizado foi a construção do espaço Cantos Nativos, viabilizada pelo Instituto Alok, onde agora podemos mostrar nosso trabalho dentro de nossa própria terra, de acordo com a tradição e com todos os seus elementos ritualísticos. Onde o não-indígena vai conhecer como é a cultura e vai poder se aproximar mais do nativo para vivenciar nossa forma de viver dentro da comunidade indígena. Através das músicas gravadas, em específico o CANTO DO VENTO, que tem conexão com os ancestrais e a vida, a história do Wyanã hoje está sendo contada pelos seus filhos e pelo Alok”, Buzuran, filho de Wyanã Kariri-Xocó.

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Yube
Mana Ibubu

Mapu Huni Kuin e Alok

Entre os Huni Kuin, a vida começa com a jiboia. Nas tradições orais, o animal é o elemento da cosmovisão indígena que serviu de…

transporte para trazer os homens para a terra, e continua sendo uma mensageira espiritual. Os grafismos que aparecem em suas roupas, pinturas corporais e objetos, chamados de kene e aprendidos pelas mulheres com a jiboia, estão associados com a continuidade entre os mundos dos humanos e não-humanos, permitindo uma ligação entre eles. Na narrativa oral Huni Kuin, as músicas remetem ao mito da jiboia e são aprendidas com os antepassados. Nesse movimento, vários mundos se conhecem e se relacionam, como também os mundos de Mapu e Alok, aproximados através do chamado da jiboia. A vibrante música de Mapu Huni Kuin apresenta o sentido circular que o álbum O Futuro é Ancestral continua a percorrer, como um convite a fechar os olhos e abrir os corações em profunda conexão com o canto da floresta e sua força de cura. No seu ritmo, nossos horizontes vão se ampliando e nosso corpo se harmonizando. Cantamos, dançamos e sonhamos em coexistência com a natureza e as memórias ancestrais conscientes de que a viagem é coletiva, junto com todos os seres de luz, como ele mesmo canta, uma viagem de unidade pelo caminho que faz a ligação entre o céu e a terra que habitam dentro de mim. Quando cantamos repetindo nai nanane nai nanae nai nai nanane em suas várias intensidades estamos expressando o som das folhas das árvores em movimento, proporcionando uma abertura da porta do nosso ser para receber a cura da natureza e acessar as nossas memórias ancestrais.

O povo Huni Kuin, pertencente ao grupo nawa pela proximidade cultural e língua Pano, é também chamado Kaxinawá. Habita a floresta tropical, na fronteira entre o estado do Acre, em território brasileiro, e o leste do Peru, somando uma população de cerca de quinze mil pessoas. Mapu Huni Kuin é nativo da Terra Indígena Kaxinawáa /Ashaninka do Rio Breu, que mesmo homologada desde 2001, continua enfrentando ameaças ao seu ambiente e aos povos indígenas que a habitam. Para o seu povo, a música é instrumentalização da medicina espiritual que dá força vital a todos os seres da terra, das águas e dos céus. 

Por ser um líder espiritual Huni Kuin, Mapu é um mediador entre o mundo encantado e o físico. No álbum O Futuro é Ancestral, sua participação artística remete aos rituais de iniciação. Traduzindo os sons da natureza e conectando-os às tecnologias do estúdio, a presença originária se expande para o circuito das pistas de dança do mundo todo e alcança várias dimensões.

“Foi muito maravilhoso, me senti realizado. É uma alegria escutar os rezos sagrados com tamanha qualidade e saber que irão se perpetuar. Uma oportunidade para nós indígenas, que tanto lutamos por visibilidade, disponibilizarmos o nosso rezo sagrado para o mundo e para as pessoas terem acesso a uma cultura milenar. E também foi realizar um sonho do meu avô, que com certeza já tinha organizado tudo no plano espiritual e está muito feliz de realizar este sonho através de mim. Esse trabalho será um arquivo de memória do povo indígena que muitas pessoas vão acessar e ficará para sempre registrado para todas as gerações.

Eu estava chegando do Líbano ao Brasil, onde estava realizando trabalho espiritual e também divulgando a ampliação do Projeto do Centro Huwã Karu Yuxibu com o objetivo de montar um centro de terapia e de pesquisa de plantas medicinais e alimentares do meu povo, realizar preservação da fauna e da flora, construção do laboratório de extração de óleos essenciais e também arrecadar recursos para continuar fomentando as atividades do projeto social do Centro Huwa Karu Yuxibu, que trabalha com fortalecimento da identidade cultural e espiritual do povo Huni Kuin e a implantação da universidade a céu aberto. O Centro estava produzindo, fazendo a colheita após anos de reflorestamento, estávamos distribuindo o cesto Huni Kuin, que é um tipo de sacolão que entregamos às famílias indígenas que vivem na zona urbana em situação de vulnerabilidade e às margens da sociedade, na cidade de Rio Branco, no Acre. Este sacolão é composto somente de alimentos orgânicos produzidos no Centro Huwã Karu Yuxibu. Estávamos fazendo as entregas, fortalecendo a espiritualidade, as danças, dialetos, grafismo, culinária e músicas. Foi quando recebi o convite para fazer deste incrível projeto, que além da música ainda representou a construção do restaurante Campo da Fartura – viabilizado pelo Instituto Alok e outros parceiros.

Agora, o sonho é que desejamos ser ouvidos pelo mundo inteiro. Que nossa música, que é a voz da floresta, traga transformação para as pessoas. Que as pessoas possam ser tocadas por essa energia que estamos lançando. Que o nosso dialeto seja difundido através dos nossos rezos, cantos e músicas. Também sonho que os recursos que forem adquiridos sejam ponte para fortalecer a sustentabilidade social e econômica dos povos indígenas e traga cada vez mais visibilidade e reconhecimento. Que o Alok continue sendo essa ponte e, juntos, usando essa força, continuemos plantando essa semente paras as pessoas continuarem acessando nossa cultura. Que não paremos neste projeto! E que nossa amizade e irmandade seja sempre sagrada, para além do projeto O FUTURO É ANCESTRAL. Haux Haux!”, Mapu Huni Kuin.

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Manifesto Futuro Ancestral

Célia Xakriabá com Alok

Inicialmente convidada para ser uma das roteiristas da narrativa documental, na imersão cotidiana no ambiente do estúdio, Célia Xakriabá acabou revelando…

seu poder poético que impressionou a todos. Enquanto as gravações ocorriam, a escola onde Célia sempre estudou e era professora foi queimada criminalmente, deixando-a profundamente triste. Foi nesse momento que criou o MANIFESTO FUTURO ANCESTRAL, demarcando o álbum com suas palavras de indignação:

"Vamos seguir lutando, microfone, maracá e Nhandesys, o poder da palavra Xakriabá e Guarani
Nós somos um povo que resiste pela força do cantar
Antes do Brasil da Coroa existe o Brasil do Cocar!"

Um ano depois da experiência no estúdio, já em 2022, Célia Xakriabá tornou-se a primeira indígena mulher eleita Deputada Federal pelo estado de Minas Gerais e, provavelmente, a mais jovem parlamentar indígena no mundo todo, com 32 anos. Professora, antropóloga e deputada, costumar dizer que a cultura a emprestou para a política. Das experiências coletivas nas roças Xakriabá vai longe fazendo do seu caminhar uma ação consciente do seu poder de luta contra a colonialidade que continua estruturando as relações na sociedade brasileira. Sem nunca se esquecer do chão de onde vem e carregando a força da ancestralidade, segue indigenizando os espaços de decisão e representação que percorre, onde antes os povos indígenas eram invisibilizados.

Sua presença no parlamento brasileiro tem as cores do jenipapo e urucum, mobilizadas para defender os direitos dos povos originários no Brasil. Como professora da escola do território Xakriabá, amansa o giz para ensinar sobre a cultura indígena. Acadêmica antropóloga, a primeira indígena em um curso de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), carrega em seu corpo-território os grafismos da pintura corporal e as ciências tradicionais de seu povo para o ambiente universitário. No movimento indígena, marchando lado a lado com outras mulheres originárias das diversas territorialidades dos cinco biomas brasileiros vêm provando serem as sementes do brotar de um novo pensamento, um novo tempo, um futuro ancestral, onde se respeita a natureza e a espiritualidade e se constrói o bem viver em compromisso com a cura da Terra.

Antigamente, o povo Xakriabá, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, vivia em várias regiões do Vale do São Francisco. Violentamente reprimidos e após inúmeros conflitos ao longo do tempo, foram aldeados e forçados a adotar a língua portuguesa e outros aspectos da cultura do colonizador. Atualmente habitam o cerrado do norte de Minas Gerais, na reduzida Terra Indígena Xakriabá, homologada no final da década de 1980 (após o crime conhecido como “Chacina Xakriabá”) e localizada na área de fronteira entre os municípios Itacarambi e São João das Missões. Ali, vivem cerca de oito mil pessoas que ainda hoje enfrentam muitas dificuldades decorrentes das invasões ao território. Sem acesso ao rio São Francisco, elemento fundamental da espiritualidade e cultura Xakriabá, lutam pela ampliação do território para conseguirem o acesso às águas.

Na sua maneira singular de conduzir a palavra, Célia demonstra que o cantar não se faz sozinha. Sua potente oralidade, oriunda da melodia própria da língua Xakriabá e aprendida na convivência com as lideranças mais velhas, expande nossas visões de mundo como uma flecha apontada para o despertar da nossa humanidade.

No álbum O Futuro é Ancestral, o manifesto de Célia alcança a missão política da arte. Aqui, a noção de futuro é trazida para o presente em reconciliação com o passado, uma vez que precisamos construir hoje o que sonhamos, ação que exige intenso envolvimento no diálogo estabelecido com distintas cosmologias e valorização da sabedoria indígena a favor de projetos de transformação social e práticas emancipadoras e democráticas.

Como a Célia diz no documentário de mesmo nome - O Futuro é Ancestral (ainda sem data de lançamento prevista): O cantar dos povos indígenas é um cantar do passado no presente, mas é principalmente um cantar que a gente quer guardar no futuro. [...] Nesse chamado nós temos que não somente reflorestar o som, nós temos que reflorestar o pensamento, o nosso sentido de ser e estar no mundo. Sabe qual o melhor jeito de guardar a música? É plantando ela dentro das pessoas.

MANIFESTO FUTURO ANCESTRAL

Na diversidade do país aonde a cultura se expressa, muita gente se pergunta aonde o Brasil começa

Será que é mesmo em Brasília, onde impera o poder e a desigualdade social ou será que é no território do povo tradicional?

A resposta é muito clara: é invisibilizada a luta do nosso povo guerreiro. Talvez nós não contribuímos para que o Brasil seja um país de primeiro mundo, mas do Brasil sabemos que nós somos os primeiros

Não contribuímos dessa forma, onde a cultura é engolida e matada, onde o valor tá no dinheiro, se não tem não vale nada

Hoje em dia ainda me lembro das parábolas de uma liderança, pois palavras como essa eu guardo como herança

Um certo dia lhe perguntaram como era a cerca, como era o território de antigamente, pois essas terras eram nossas e dividimos pra muita gente

Ele logo respondeu, o território é cheio de ciência, o limite de uma terra está em nossa consciência

Não se tem levado em consideração o nosso conhecimento tradicional, nós estamos sendo sufocadas pelo Congresso Nacional

Urucum e Jenipapo, e a nossa força está de pé: o que nos sustenta é a força do Pajé

O que nos orienta é a espiritualidade: chegou aqui, agora, as Guerreiras da Ancestralidade!

Vamos seguir lutando:

microfone, maracá, poder da palavra Xakriabá!

Microfone, Nhandesys, poder da palavra Guarani!

Nós somos um povo que resiste pela força do cantar

Antes do Brasil da Coroa existe o Brasil do Cocar!

Provocamos a sair dos 4 tempos e a entrar num outro tempo

de uma escuta mais sensível, e com mais delicadeza

Podemos até tocar nos 4 tempos, mas que seja o tempo da natureza:

O tempo das águas, da seca, do frio, do vento… é diferente!

Nossa luta é pela retomada deste tempo e não uma luta contra o tempo

Procurar o ritmo do canto e da música é ter um olhar de caçador, para acertar o tom.

Como tocar as pessoas sem desmatar?

É preciso descolonizar, e reflorestar!

O som!

Este trabalho foi construído pelo roteiro do coração, e com a contribuição de muitas mãos.

E o útero da Terra é que foi nos instruindo.

Que a humanidade entenda a importância de cuidar do lugar onde estamos pisando

Só assim vamos retomar o sentido da vida e o coração continuará pulsando.

Somos a possibilidade de cura para o planeta, a nossa causa central.

Somos a raiz do passado que se conecta com o hoje, pois

O Futuro é Ancestral!

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Rap
Nativo

OWERÁ e Alok

Consciente das injustiças sociais e das violências históricas contra os povos indígenas no Brasil, Owerá se conecta ao ritmo do rap para reivindicar…

o que é seu de direito e mostrar sua cultura: De como um indígena de verdade vive na sua aldeia. Seu próprio nome de batismo significa raio e assim ele lança sua palavra Guarani no mundo para estimular os jovens indígenas a lutarem, como ele mesmo foi incentivado pela poesia originária do grupo Brô MC'´s a defender seu território através da arte. Movido pelo sonho de ter sua voz amplificada, sua mensagem de protesto se desata de qualquer conformismo. Vibra de seu peito e estremece as imagens preconceituosas que ainda recaem sobre os povos indígenas na atualidade. Por isso, chama os guerreiros para a defesa da aldeia e da floresta, para as crianças poderem brincar. Através de apoio do Instituto Alok, Owerá criou o Ravê Estúdio Korsmofônico, um set de equipamentos que permite mobilidade para pesquisas e produções audiovisuais. 

Em RAP NATIVO, nenhuma palavra é à toa. A participação especial de Célia Xakriabá faz um apelo ao reconhecimento de que são os povos indígenas os primeiros brasileiros. Owerá é do povo Guarani Mbyá, que mesmo vivendo em distantes comunidades entre o Uruguai, o nordeste da Argentina, a região oriental do Paraguai e o Brasil, dispersos em aldeias situadas no litoral e interior dos estados do Sul, próximos à Mata Atlântica no Sudeste e também na região Norte do país (aonde muitas famílias chegaram após a Guerra do Paraguai), se identificam como iguais porque falam a mesma língua (elemento fundamental para sua identidade) e constituem uma unidade religiosa. Mbyá pode ser entendido como “gente”, assim, são “muita gente num só lugar”. 

Owerá mora na aldeia Krukutu, da Terra Indígena (TI) Tenondé Porã, que tem população de cerca de mil indígenas. Sua comunidade é uma pequena área regularizada entre os municípios de São Bernado do Campo e São Paulo, a grande capital paulista. Vivem uma situação precária e são discriminados quando estão em contato com a sociedade envolvente. Ao mesmo tempo, lutam para manter suas crenças e costumes vivos no cotidiano da aldeia, apresentando outras possibilidades de habitar a cidade.

“Participar de toda a gravação das músicas Guarani e da música RAP NATIVO foi a experiência mais incrível de toda a minha carreira até o momento. E estar presente junto com os parentes me fez sentir uma energia muito forte e de extrema importância dessa missão de, junto com os parentes, levar para o mundo a força que vem da natureza. Ao escutar a própria música ficamos muito felizes, o meu povo Guarani Mbyá também! O que me motivou ir ao estúdio foi ter essa oportunidade de poder gravar as músicas Guarani, nossos rezos e cânticos sagrados. Fomos animados para poder gravar essas músicas e com a consciência de levar a mensagem para o mundo. Ficamos muito felizes de escutar as próprias músicas gravadas e estamos ansiosos pelo lançamento e para levar cada vez mais as músicas da nossa tradição, para que as pessoas que ainda não conhecem a nossa cultura possam ouvir e sentir essa energia. Na aldeia, a gente já estava esperando e sentindo que esse ano iria acontecer alguma coisa bem importante, o que a gente tava sentindo era como uma missão. Não sabíamos o que estava por vir, mas essa energia a gente já tava sentindo e, logo em seguida, recebemos esse convite muito importante para o nosso povo e outras etnias. Muitos parentes também foram participar levando as suas mensagens, mas a luta é uma só e está tudo conectado! O nosso sonho é que os artistas indígenas que estão se inspirando em nós que estamos fazendo essa arte, que se inspiram em nossas músicas e nossos trabalhos, se fortaleçam e também tenham oportunidades de gravar com outros artistas, de levar e espalhar suas mensagens. Tudo isso vai fortalecer os jovens que se inspiram na gente, para que tenham força para estar no movimento junto com a gente”, Owerá. 

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Jaraha

Brô MC’s e Alok

Precursores do rap nativo em língua originária, os versos do grupo Brô MC´s falam sobre o que o povo Guarani-Kaiowá vem enfrentando dentro e fora… 

de seus territórios e as violências que sofreram ao longo do tempo. A música JARAHA expõe a triste realidade dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul no passado e no presente, e clama para que o canto de batalha pela retomada do tekoha (categoria nativa de referência ao lugar físico e sagrado de origem e pertencimento onde podem viver do jeito Guarani de ser) seja ouvido. No Brasil, as diferenças linguísticas, rituais, religiosas, territoriais, sociais, políticas e históricas dos Guarani formam três subdivisões, por isso os povos Guarani-Nhandewa, Guarani-Kaiowá e Guarani-Mbyá têm interpretações distintas para a realidade vivida. Nesse contexto de complexidade cultural, entre o sul mato-grossense e o Paraguai estão os atuais territórios Kaiowá e Nhandewa,, historicamente abalados pelas divisões oriundas da Guerra do Paraguai (1864-1870) e constantemente ameaçados. Em resistência, buscam se organizar para identificar seus tekohá em processos de autodemarcação em defesa dos seus direitos originários. 

Na tradição cosmológica, os cantos Kaiowá são palavras ritualizadas passadas de geração a geração, que contam histórias de celebração da própria existência. Com o tempo, novas interpretações musicais chegaram nas comunidades de cada grupo Guarani, como é o caso do hip hop para os Kaiowá. Formado em 2009, a partir de oficinas de rima realizadas na escola da aldeia, o primeiro grupo de rap indígena do Brasil é integrado por quatro artistas da etnia Guarani-Kaiowá, que também são profissionais da construção civil: Bruno VN e Clemerson Batista (netos do Cacique Marcos Veron, morto em ataque à aldeia Kaiowá Takwara, Juti-MS, em 2003) são da Aldeia Jaguapiru. Kelvin Mbaretê e CH, da Aldeia Bororó. Tanto a Aldeia Jaguapiru como a Bororó estão localizadas na Reserva Indígena Dourados, onde vivem cerca de vinte mil indígenas, confinados em pequenas porções de terras, configurando um tipo de organização que impacta profundamente suas vidas.

Os Brô MCs enfrentam o apagamento cantando suas histórias e sonhos na própria língua Guarani-Kaiowá, reforçando a identidade étnica em outras formas de expressão artística. Em O Futuro é Ancestral apresentam os ensinamentos que aprenderam com os anciões, suas maiores heranças, em articulação às musicalidades da poesia política para expandir a voz das suas comunidades. Protagonizando a própria história, se apropriam das especificidades do rap para suscitar o engajamento na luta pelos direitos dos povos indígenas e a transformação social.  

A poética do grupo está na fronteira entre a palavra e a reza, o português e a língua guarani, a tradição ancestral e a estética do rap. Suas mensagens de luta circulam especialmente entre os jovens indígenas, convocando-os a se autoafirmarem em suas identidades étnicas e se comprometerem com os projetos dos povos indígenas. Aos não indígenas, a mensagem é clara – e declamada em português: A gente grita, mas ninguém nos ouve, aprendi a sua língua não indígena, essa é pra você. O grito Jaha! Jaha! Jaha! Jaha! faz de Jaraha uma música que muda os ânimos e convoca para o combate. Suas palavras insistem que é preciso coragem para afastar a dor provocada por aqueles que lhes fizeram mal. Sua melodia ascendente é uma forma de dizer que desistir não é uma opção. Com apoio do Instituto Alok, o grupo irá inaugurar em breve o Ayvú Records, seu próprio estúdio na aldeia.

“Pra mim é uma felicidade enorme poder trabalhar com um grande DJ que é o Alok! Trabalhar ao lado dele, gravar num estúdio daquele porte e depois escutar foi muito massa! Eu estou muito feliz com esse trabalho! Espero que nossos parentes gostem e que os não-indígenas aceitem - como já estão aceitando - as nossas músicas ancestrais. O que me motivou a ir gravar com o Alok foi um chamado da nossa ancestralidade. Eu acredito muito na espiritualidade e acho que isso já estava escrito em algum lugar. Os meus ancestrais já falavam que um dia as pessoas ainda iam nos ouvir e que isso ia acontecer através da música, dos nossos cantos. Pra eles, é que nem o Alok fala, é pra curar a alma das pessoas. Quando a gente foi pro estúdio na aldeia estava tendo pandemia, então era numa situação bem difícil, bem ruim. E também tava tendo vários conflitos entre indígenas e fazendeiros latifundiários. Quando chegamos ao estúdio o pensamento continuou com os nossos parentes. Por isso o Clemerson, nosso integrante, se emocionou contando da realidade que a gente tava passando. O sonho agora é conseguir que o povo indígena seja mais reconhecido pelo seu trabalho! Para nós, do Brô, é só gratidão mesmo! Estamos muito felizes com o trabalho e o resultado que deu! Estamos aí pra somar e trabalhar junto. Bóra que bóra! O sonho é fazer história!”, Bruno Veron.

Com apoio do Instituto Alok, o grupo construiu em sua aldeia o estúdio Ayvú Records.

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Sangue
Indígena

Kaingang e Alok

O movimento de resistência indígena se organizou em Brasília, no mês de junho de 2020, no ato Levante Pela Terra, um grupo de 70 guerreiros…

formado pelas etnias Kaingang, Guarani Nhandeva, Xokleng, Terena, Tukano, Guarani e Pataxó, organizou um acampamento de mais de 6 mil indígenas em estado permanente de mobilização na Esplanada dos Ministérios para acompanhar o julgamento da tese do Marco Temporal. Enquanto isso, Alok e outros artistas de diversas etnias estavam acompanhando todo o debate por meio das redes sociais e concluindo as gravações do álbum O FUTURO É ANCESTRAL. Foi quando a liderança Kretã Kaingang decide ir ao estúdio, em Minas Gerais, para enunciar pessoalmente seu agradecimento pelo apoio de Alok, que somou sua força no meio digital para repercutir as reivindicações. Com as vozes do grupo “Levante Pela Terra”, o álbum se encerra com o apelo pelo fim do derramamento de sangue indígena. A penúltima canção termina a jornada de gravação incorporando o fervoroso grito de guerra Kaingang: "Somos índios, somos da floresta, gostamos de lutar!"

São mais de cinquenta mil indígenas Kaingang que habitam os estados do Sul do Brasil, onde estão empenhados em preservar e retomar seus espaços para que possam se organizar em seu próprio modo e sonhar seu futuro. 

Fechar o álbum OFUTURO É ANCESTRAL com SANGUE INDÍGENA é compreender que nas veias de todos os brasileiros pulsa a ancestralidade original que precisa da terra para continuar a existir, sonhar, dançar e cantar. 

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Sina
Vaishu Remix

Yawanawa Saiti Kaya – Alok e MAZ Remix

Alok convida MAZ, DJ e produtor brasileiro com destaque global, para uma colaboração. Juntos, eles remixam essa faixa lendária para energizar as pessoas nas pistas de dança ao redor do mundo.

Cooperação:

O projeto O Futuro é Ancestral é uma contribuição do Instituto Alok à Década Internacional das Linguas Indígenas

Cooperação:

Fotografia: Mila Petrillo

O álbum O Futuro é Ancestral é uma produção do Instituto Alok no contexto do projeto “Brasil do Cocar” - que contempla uma ampla diversidade de ações culturais, sociais e ambientais.

O lançamento desse álbum busca contribuir à difusão e valorização da cultura musical dos povos originários, como elemento de conexão com as vozes da natureza e seus guardiões, e como fator essencial de preservação das línguas indígenas.

O Instituto Alok é uma organização sem fins lucrativos dedicada à transformação social. Fundado e presidido pelo DJ e produtor musical Alok, o Instituto apoia ações no Brasil, África e Índia.

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